A
Lenda de Pay Sumé, o Caminho do Peabiru e a Integração Cultural Pré-Colombiana
na América do Sul
Por
Claus Farina – Historiador/Analista em Assuntos Culturais do MJC
O Museu Julio de
Castilhos possui em seu acervo um objeto de pedra da tradição Tupi-Guarani, de
procedência da área subtropical, datado do século I (aproximadamente 2000 antes
do presente), em formato que lembra um pé humano, sugerindo uma associação com
a lenda do Pay Sumé.
Ficha da "pegada" do Pay Sumé (acervo do Museu Julio de Castilhos)
Ficha da "pegada" do Pay Sumé (acervo do Museu Julio de Castilhos)
A
lenda indígena de Pay Sumé, no Brasil, Pay Tumé (ou Pay Zumé), no Paraguai, Viracocha
(na Bolívia), Tonapa (no Peru), Kukulkan na América Central ou Quetzalcoat no México, fala de um deus ou herói
civilizador, um homem branco de meia idade, barbado, de cabelos longos e
vestido com uma túnica, que pregava e transmitia conhecimentos como a
agricultura, o uso do fogo e a organização social. Foi interpretado,
posteriormente pelos missionários jesuítas no Brasil e em outros países
sul-americanos, como o apóstolo São Tomé.
Pay Sumé
Segundo a crença
cristã, Tomé foi um dos doze apóstolos escolhidos por Jesus Cristo. Em
conformidade com a tradição, após a morte e ressurreição de Cristo, os
apóstolos percorreram diversas regiões do mundo no intuito de propagar a fé. Tomé,
o incrédulo, não acreditava na ressurreição e só se convenceu do milagre após a
aparição de Cristo e ao tocar em suas chagas.
Por isso, a São Tomé é atribuída a evangelização da Ásia e parte da
África, os locais mais distantes do então mundo conhecido pelos europeus.
São Tomé
Ao tentar introduzir
o catolicismo como religião aos índios Guarani, os jesuítas se depararam com um
conjunto de crenças consolidadas. Uma delas, contudo, lhes chamou atenção, a
lenda do Pay Sumé. Tanto lhes chamou atenção que vários jesuítas se preocuparam
e dedicaram um bom tempo de suas vidas em estudá-lo e registrá-lo através de seus
escritos, dos quais foram os trabalhos de Manoel da Nóbrega no século XVI em
suas cartas do Brasil e o de Antonio Ruiz Montoya no século XVII os de maior
expressão sobre esse assunto.
Pay Sumé
Pay Sumé
Na busca de compreensão
e na transformação dos entendimentos sobre o mundo que nos rodeia, temos de
levar em conta que, ao mesmo tempo em que atuamos sobre o mundo físico, este
atua sobre nós, de modo que nos encontramos ligados em um constante circuito de
atividades e sensações.
Distingue-se o
sistema de vida dos índios daquele dos colonizadores e seus descendentes pelo
impacto causado ao meio ambiente, por um e por outro, assim como a maneira de
se relacionar social e espiritualmente com o mundo, com o seu semelhante e com
os seus irmãos dessemelhantes, representantes dos outros reinos da natureza.
No pensamento e religião dos povos originários é importante percebermos que a cosmovisão indígena não implica uma unanimidade de interpretações ou de opiniões e que muitas vezes há conflitos irreconciliáveis. Normalmente se rotula toda uma cultura colocando sob um termo genérico uma gama de personalidades e de povos muitas vezes extremamente divergentes quanto a muitos pontos de vista, como se todos fossem simplesmente “índios” e pensassem exatamente iguais ou, em casos mais extremos, como se não pensassem.
No pensamento e religião dos povos originários é importante percebermos que a cosmovisão indígena não implica uma unanimidade de interpretações ou de opiniões e que muitas vezes há conflitos irreconciliáveis. Normalmente se rotula toda uma cultura colocando sob um termo genérico uma gama de personalidades e de povos muitas vezes extremamente divergentes quanto a muitos pontos de vista, como se todos fossem simplesmente “índios” e pensassem exatamente iguais ou, em casos mais extremos, como se não pensassem.
Este tipo de cultura religiosa
representa o fruto de milênios de experiência, e, simultaneamente, proporciona
um modo de atuar sobre o mundo. O xamanismo é uma religião prática e pragmática
e nunca apenas mística. O sentido de unidade que proporciona não nega a
identidade separada de fenômenos distintos.
São muitas
as categorias no interior do íntegro universo indígena. Há inúmeros espíritos
individuais com forma, nomes e características que lhes são próprias. O sol e a
lua talvez sejam irmãos, como no caso dos guaranis mbya, ou pai e mãe (Kwaray
ru’ete e Jaxy, ou seja, pai e sagrada mãe), como no caso dos guaranis ñandewa.
Porém, suas relações com os humanos serão salientadas e determinadas pelos
mitos que explicam como surgiram, como se transformaram no que são e como
afetam as nossas vidas.
Assim, a mitologia tupi-guarani apresenta
um conjunto de narrativas sobre deuses e espíritos, dos diversos subgrupos tupis-guaranis, antigos e
atuais. Juntamente com as cosmogonias (narrativas de criação do
universo), as antropogonias (sobre a criação da humanidade) e os rituais, são parte das
religiões destes povos.
Com uma
cosmovisão tão diferente do pensamento histórico ocidental, não foram poucos os
pensadores ocidentais que tentaram compreender o pensamento mítico dos povos
originários.
Para Vernant (1992), o mito se constitui como o modelo de
referência que permite situar, compreender e julgar o feito celebrado, ao se
refratar através das aventuras lendárias dos heróis ou dos deuses. Eram nestas
aventuras que os atos humanos, pensados na categoria da imitação, podiam marcar
seu sentido e situar-se numa escala de valores.
Em Malinowski (1974), o mito desempenhava uma função indispensável,
expressava e codificava as crenças, salvaguardava os princípios morais e os
impunha.
Godelier (1973) percebe a
existência de uma relação direta entre os mitos e a sociedade, quando se
empreende o inventário exaustivo de todos os elementos dos mitos. Esses
elementos transpunham aspectos do meio ecológico, de organização social,
tradições históricas, fossem elas migrações, guerras de populações, em cujo
seio o propósito se tenha recorrido a esses mitos.
Em “O Mito do Eterno Retorno”, o
historiador das religiões Mircea Eliade destaca a importância dos povos
originários para as sociedades com relação a um modelo sobrenatural. Assim, os
mitos representam esses modelos, que correspondem na antropologia estrutural ao
conceito de estrutura mental para Levi Strauss e na psicologia aos arquétipos
do inconsciente coletivo de Jung.
As crenças indígenas, por serem essencialmente as tradições
mitológicas, aparecem, através dos mitos, como verdade absoluta, nessas
sociedades. É, portanto, um conhecimento inquestionável, um modelo de vida e de
moral social.
É dentro das narrações míticas que se esconde o aspecto do
inconsciente coletivo, que encerra uma verdade. Isso se dá, na medida em que
toca profundamente o homem, um ser mortal, organizado em sociedade, obrigando-o
a trabalhar para viver, submetidos a acontecimentos, nem sempre imprevistos,
que independiam de sua vontade.
Petróglifos de Pusharo (Peru)
O mito conta uma estória sagrada: relata um acontecimento que
teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos começos. Contava como,
graças aos feitos dos seres sobrenaturais, uma realidade passou a existir. Essa
realidade podia ser total ou parcial, ou apenas um fragmento, mas sempre a
narração de uma criação (Eliade, 1989). Os mitos revelavam a atividade criadora
dos seres sobrenaturais, descrevendo, de maneira dramática, eclosões do sagrado
no mundo.
Dessa forma, o mito nas sociedades originárias ensina as
estórias primordiais, que o constituíram existencialmente, e tudo o que se
relaciona com a sua existência e com o seu próprio modo de existir no cosmos,
interagindo no dia a dia, de forma inconsciente. Este inconsciente passava a
ser uma figuração do mundo, representando, a um só tempo, uma sedimentação
multimilenar da experiência.
Jung (1978) denomina esta figuração de arquétipos ou
dominantes, que no mito podiam ser os deuses, heróis ou ancestrais míticos.
Podiam ser configurações das leis dominantes e dos princípios, que se repetiam
com regularidade à medida que se sucedessem estas figurações, revividas
continuamente nos mitos.
Na proporção em que estas figurações eram retratos relativamente
fiéis dos acontecimentos psíquicos, os arquétipos, ou melhor, as
características gerais que se destacavam no conjunto das repetições de
experiências semelhantes, também correspondiam a certas características do
pensamento mítico.
Isto significa que este pensamento operava dentro do mito,
como um regulador. Os povos originários são perfeitamente capazes de pensamento
desinteressado, ou um desejo de compreender o mundo que os envolvia, e a
sociedade em que viviam (Lévi-Strauss, 1978). A realidade das coisas, neste
caso, estava para demonstrar a repetição dos fatos, as origens, o ciclo da
vida, o fato deles se repetirem os tornava perenes.
Claude Levi-Strauss
Nesse caso, em sociedades originárias, como a dos
Tupis-guaranis, os arquétipos do inconsciente coletivo atuam através dos
espíritos da natureza, do herói civilizador e das atividades cotidianas. Isso
propiciava a perpetuação e a reatualização dos valores culturais, adaptando as
novidades dentro de um arranjo mágico e sobrenatural. Em outras palavras, estes
arquétipos são uma espécie de censo comum, uma conduta lógica a ser vivida e
revivida.
Assim, o mundo, para os indígenas,
não é estático: está cheio de manifestações e sucessivos ciclos, imprevistos ou
desconhecidos, centrando o interesse dos povos originários mais na potência
efetiva, que na ação causal. Esta potência é, na “realidade”, a que se adapta
psicomentalmente, representando-a através de inúmeras “personificações”, ou
seja, uma figuração do inconsciente indígena, do qual fazem parte os arquétipos
do que chamamos de senso comum.
Conforme Susnik (VI, 1984/85), dentro deste mundo circundante
e do mundo humano, é necessário, para o homem, sentir, aproveitar-se e
manifestar-se. O homem passa a criar emocionalmente suas imagens heterogêneas,
mas nunca conceitualizando em termos classificatórios, e tais imagens do mundo são
coligadas em seu próprio micro mundo social, determinando-o, regulando-o e
adaptando-o, criando assim uma projeção de mundo com características humanas.
As crenças indígenas, sua cosmovisão, são essencialmente suas
tradições mitológicas, suas experiências de vida, e o grande reflexo de sua
visão de “potência de mundo” está
relacionado com o que vivem e com quem vivem.
Dentro desta realidade e conforme a mitologia Tupi-guarani, a
figura primária na maioria das lendas da criação é Iamandu, também conhecido como Nhanderuvuçu,
realizador de toda a criação. Porem, Tupã, senhor
do trovão, foi quem criou os humanos originais que se chamavam Rupave e Sypave,
nomes que significam "Pai dos povos" e "Mãe dos povos",
respectivamente. Estes tiveram três filhos e um grande número de filhas. O
primeiro dos filhos foi Tumé Arandú ou Pay
Sumé, considerado o mais sábio dos homens e o grande profeta do povo guarani.
Pay Sumé
Pay Sumé
Consonante à lenda, Pay Sumé teria vindo do mar para ensinar
ao povo a arte da agricultura e,
depois, habilidades como a de transformar mandioca em farinha e
alguns espinhos em anzol,
além de regras morais. Curava as
feridas e
diversos males sem cobrar nada em troca. Tanta gentileza e poder despertou,
sobre si, a raiva dos caciques, em
especial por conta da pregação contra o fato destes possuírem várias mulheres, culminando
com a recepção de Sumé a flechadas numa
certa manhã, armas que misteriosamente teriam retornado e feriram de morte seus
agressores.
Os
índios ficaram espantados com a facilidade com que ele extraía as flechas e pelo
fato de que de seu corpo não escorria sangue algum.
Sumé ainda teria andado de costas para o mar até
atingir as águas. Em uma das versões da lenda, Sumé também teve dois
filhos, Tamandaré e Ariconte (ou
Arikonta), que eram de diferente compleição e natureza e, por isso, um
odiava mortalmente o outro.
Em outra
versão, a divindade teria desaparecido num voo sobre as ondas para nunca mais
voltar. Quando Sumé foi embora, teria deixado uma série de rastros gravados em
pedra sob a forma de pegadas em lugares do interior e litoral do Brasil. Em uma
terceira versão Sumé teria seguido para o interior do continente. Essa viagem
ao interior pode ter influenciado os Guaranis em suas migrações em busca da “terra
sem mal”, um lugar mítico onde não haveria guerras, doenças e fome.
Curiosamente,
a lenda de Sumé aparece no Paraguai como Pai Tumé, na Bolívia como Viracocha,
no Peru como Tonapa, na América Central como Kukulkan e Quetzalcoat no México. Em todos esses locais a mensagem é similar, isto
é, a de um personagem branco barbado de meia idade, vestido, que chegou, pregou
e depois desapareceu no mar dizendo que voltaria algum dia. No Brasil, o
teor completo dessa mensagem com o passar dos anos teria sido esquecida pelos nativos,
mas ficara marcado na memória desses povos que, no futuro, viriam alguns
sucessores de Sumé que revigorariam a fé perdida.
A
descrição de tal personagem levanta a hipótese de que no passado o continente
americano possa ter sido visitado por povos do velho mundo na antiguidade e no
período medieval. De fato, antes mesmo da presença dos vikings na América do
Norte nos séculos X e XI, existe a famosa história de São Brandão, um monge
irlandês do século VI, com vocação para a navegação, que teria realizado uma
lendária viagem pelo oceano Atlântico para além do mundo europeu conhecido.
Alguns pesquisadores arriscam-se a dizer que São Brandão e seus seguidores
possam ter aportado no continente americano. O problema para esta hipótese
consiste no fato de que até o presente não foi possível encontrar a menor evidencia desta viagem.
São Brandão, o navegador.
São Brandão, o navegador.
Seja como for ao
tomarem conhecimento dessa lenda indígena, os jesuítas identificaram
similaridades do personagem com o São Tomé cristão. Provavelmente foi a proximidade fonética
entre as palavras Sumé e Tomé a fonte inspiradora de ligação entre o santo
católico e o personagem mitológico indígena. A partir de então, foi considerado
que o apóstolo Tomé teria estado na América do Sul pregando o evangelho de
Jesus Cristo. Também deve ter sido levado em consideração pelos jesuítas a missão
evangélica de levar a palavra do deus cristão a todo o mundo. Com base nessa
ideia, poderia o apóstolo ter conseguido por algum meio ter vindo da África à
América, embora os padres acreditassem num transporte sobrenatural. Os jesuítas
podem ter se apresentado como sucessores de Sumé, agora tido como São Tomé, o
santo católico, tendo grande influência em sua evangelização sul-americana.
Isabelle Combès identifica
o personagem de Pay Sumé ou São Tomé com o deus branco dos mitos andinos e
mesoamericanos e esse mito explicaria, segundo os próprios indígenas, a
“inferioridade” tecnológica destes para com os europeus. Essa informação deve
ter sido utilizada pelos europeus a seu favor durante o processo da invasão e
conquista do novo mundo.
“Sumé es también
un héroe civilizador. (...) Vestido y de barba, Sumé es –y, en consonancia con
su asimilación con Santo Tomás, fue entendido como– el “dios blanco” de estas
regiones, la contraparte de los Viracocha y demás Quetzalcoalt americanos. El
personaje es también el protagonista del mito, muy difundido entre grupos tupi
guaraníes y otros, del reparto de las armas de madera y de hierro que explica
el origen de la inferioridad de los indios en relación con los blancos. Al
menos, las primeras versiones de este mito recogidas entre los tupinambás
hablan de “un” o unos héroe(s) blanco(s): “un Mair” según Léry (1975 [1580]:
254), “profetas de barbas” según Claude d’Abbeville (1963 [1614]: 69v). Otro
texto menciona como protagonistas del mito a dos “profetas”: Çumé, el bueno, y
Maira, el malo 86 – evidentemente el “compañero de Santo Tomás” mencionado por
Nobrega. Finalmente, y no menos importante, Sumé es conocido por haber dejado
impresas sus huellas en unas piedras. Las referencias al respecto son muy
numerosas.” Combès, 2011 p. 86.
Na visão dos padres
jesuítas, de Pay Sumé, os indígenas teriam apenas uma vaga lembrança. Sumé num
passado longínquo teria percorrido muitos locais habitados pelos indígenas, o
que justificaria sua presença em outras partes do continente, pregando a fé em
um único deus. Nessa trajetória, teria ele deixado vários sinais, como pegadas
em pedras, carregado um símbolo similar a uma cruz que, conforme Bartolomeu
Melia, foi imediatamente convertido pelos jesuítas como a cruz de Cristo.
Para os Guaranis, o
símbolo da cruz representa entroncamento de caminhos, pois a América do Sul
pré-colombiana era interligada por várias estradas, trilhas ou caminhos de
norte a sul e de leste a oeste. Destes, o Peabiru tem a sua construção
atribuída ao Pay Sumé quando de seu desaparecimento rumo ao interior do
continente, de acordo com uma das versões da lenda. Para alguns pesquisadores, esse
caminho foi criado pelos indígenas brasileiros (Gê ou Guarani). Já, para outros
ele seria de origem inca. Existe uma terceira hipótese que defende que o
Peabiru foi uma obra tanto de indígenas brasileiros quanto dos incas.
Peabiru
Caminho do Peaburu
Este imenso caminho, com
mais de 4 mil km de extensão, ligava o litoral do Atlântico ao Pacífico,
considerado maior em todos os sentidos ao sistema viário europeu da época, isto
é do litoral brasileiro ao Peru, precisamente São Vicente a Cuzco ou o inverso,
pois não se sabe com certeza onde era o início e o fim.
Traçado principal do Peabiru e seus ramais
De qualquer maneira, o
Peabiru possuía vários ramais: saindo de Cusco, o caminho atravessava o rio
Madre de Dios (Peru), Chile, Beni (Bolívia), Rondônia, Mato Grosso, Bolívia,
Paraguai, Paraná, Santa Catarina e São Paulo (Brasil), com outros ramais ou
trilhas ligando a Amazônia (inclusive através de rios) ao Rio Grande do Sul e
ao Rio da Prata.
Este e outros
caminhos revelam um altíssimo grau de integração cultural dos povos indígenas sul-americanos
bem antes da chegada dos europeus e que depois foi utilizado por estes. Com
relação a esse intercâmbio, Isabelle Combès afirma que:
“Las fuentes quinientistas evidencian un intenso tráfico
prehispánico de gente y de bienes entre este y oeste; trueques, robos, alianzas
y viajes involucran a un sinfín de grupos de las tierras bajas y de los Andes.
Entre ellos se destacan, por dos razones, los múltiples grupos
guaraní-hablantes que encontraron lós españoles desde la costa atlántica hasta
los primeros contrafuertes andinos: ellos son, primero, los que más y mejor
informan a los españoles de Asunción, y luego de Santa Cruz, sobre la “tierra
rica”, su gente, sus riquezas, y los caminos que llevan a ella; segundo, muchos
de estos guaraníes, ya establecidos en la Chiquitania y el piedemonte andino
cuando llegaron los europeos, eran tan “advenedizos” como ellos, y como ellos
habían llegado desde el este. De esta manera, se puede decir que, en gran
medida, las expediciones españolas siguieron las rutas anteriormente abiertas
por los guaraníes hacia el occidente.” Combès, 2011, p. 54.
Concepção artística de como seria um geoglio na Bolívia (llanos de mojo) há 500 anos.
Croqui de llanos de Mojo de como era há 600 anos (autor Clark Erickson)
Croqui de llanos de Mojo de como era há 600 anos (autor Claus Farina)
Maquete de um montículo piramidal de Llanos de Mojo
A “terra rica” a que
se refere Combès está relacionada tanto à lenda do El Dorado quanto a
existência do Reino do Grão Paititi, este geralmente localizado na região de
Llanos de Mojo na Bolívia e fronteira com o Brasil (Acre e Rondônia) e
identificado por alguns tanto como um reino pré-inca quanto neo-inca na
Amazônia. Alguns pesquisadores têm identificado o Paititi com a civilização dos
Geoglifos (ou Zanjas para os bolivianos) que poderia, em tempos pré-coloniais, ter
se constituído em uma grande confederação de povos indígenas, tendo como
característica comum a construção de grandes montículos (pirâmides de terra),
lomas (aterros), pomares e lagos artificiais interligados, estradas bem
planificadas, trincheiras quadrangulares, retangulares e circulares com
paliçadas cujo caráter monumental só é possível de ser apreciado quando se
sobrevoa o local.
Concepção artística de como era Llanos de Mojo há 600 anos
Por outro lado, nos
séculos XV e XVI, o Império Inca se espalhou por seis países sul-americanos
(Chile, Argentina, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia). Para integrar esse
grande império, os incas desenvolveram um eficiente sistema de caminhos e
estradas. Dois caminhos que se direcionam do oeste andino para o leste amazônico
têm sido estudados. Um ao norte, para integrar e comercializar a matéria-prima
aurífera de Roraima (Brasil); o outro, ao Sul, era o grande Peabiru.
Estradas e caminhos incas
Conforme Alfredo José
Altamirano, os incas podem ter realizado intercâmbio com as civilizações amazônicas,
marajoaras, tapajós, omáguas, jivaros, mojos e xinguanas, entre outras, por
meio da troca de produtos, alimentos e sementes. Entre essas culturas estava
disseminado o manejo da “terra preta”, um tipo de solo fértil antropogênico,
resultante da ação humana, produzido pela
combinação de carvão vegetal, cerâmica e matéria orgânica de origem vegetal e
animal.
Vaso Marajoara PA
Vaso Tapajônico PA
Tesos Marajoaras (aterros) PA
Vaso Marajoara PA
Vaso Tapajônico PA
Tesos Marajoaras (aterros) PA
Migrações Tupi-Guarani
Pesquisas recentes
apontam que, entre os séculos X e XIII, os guaranis, do grande tronco
linguístico tupi-guarani, migrando de Rondônia, teriam se disseminado pelo
Equador, Peru, Bolívia, Guiana francesa, Paraguai e Uruguai, incluindo
Argentina e parte do norte do Chile. No Brasil, um grupo (guarani) seguiu do
rio Madeira (Rondônia) para a bacia do Paraná, chegando ao Rio Grande do Sul
antes de iniciar sua rota para leste e para o norte, seguindo então o litoral
brasileiro até o Paraná. Outro grupo (tupi) desceu pelo litoral norte-nordeste
até o sul de São Paulo. Construíram várias trilhas pela floresta, entre elas o
Peabiru (que significaria para alguns pesquisadores o “caminho ao Peru”),
locomoviam-se, também, pelas redes fluviais, movimentando-se de acordo com as
pressões sociais, políticas e ritualísticas em busca da “terra sem mal”.
Migrações Tupi-Guarani
Presume-se que seria
um período de intenso conflito caracterizado pelas chefias tardias devido ao
incremento demográfico, agricultura, especialização na pesca, artesanato e sua
religião xamânica, podendo significar também que nessa migração do rio Madeira
para a bacia do Paraná, os guaranis teriam estabelecido algum tipo de contato
com as civilizações pré-inca e inca, contrariando boa parte do pensamento
acadêmico que rejeitava esse contato antes do século XV.
Em uma análise que
abrange a opinião de vários autores, em especial Bartolomeu Melià, Isabelle
Combès vê uma ligação entre as migrações Guaranis em busca da “terra sem mal” como
um modo de ser, baseado em uma economia de reciprocidade, tendo como uma das metas
o metal dos incas, seguindo a rota do Pay Sumé.
“
las migraciones guaranies hacia el oeste tenian como meta el metal andino,
revestian tambien otro sentido, o fueron pensadas en otros terminos: se
hicieron siguiendo la ruta de Pai Sume, al heroe civilizador vestido y barbudo”. Combès, 2010, pág
107.
(..)
‘Las interpretaciones divergen según los
autores, pero la “tierra sin mal” sigue siendo el núcleo de las explicaciones. (...)
Bartomeu Melià propuso ver en la tierra sin mal aquella que reúne lós elementos
y condiciones materiales y económicos para la reproducción del “modo de ser”
guaraní basado en la reciprocidad. Pero si bien el autor nota que las razones
de las migraciones probablemente sean varias, también afirma: “la búsqueda de
La tierra sin mal es –por lo menos en el estado en que están nuestros
conocimientos– el motivo fundamental y la razón suficiente de la migración
guaraní” (Melià 1995:291 in Combés, 2011, p. 74).
Para Martin Pärssinen,
a ideia corrente de que os guaranis não teriam penetrado a área de fronteira
Inca, na Bolívia, antes dos séculos XV ou XVI, tem de ser rediscutida.
Examinando a documentação histórica e baseada em datações radiocarbônicas
obtidas em sítios na Bolívia oriental, com presença de cerâmica corrugada e
ungulada, Pärssinen conclui que os primeiros grupos guaranis teriam entrado na
atual Bolívia mais de mil anos antes do estimado.
O papel de Pay Sumé, das
migrações Guarani em busca da “terra sem mal”, do Peabiru e suas ramificações
na integração cultural pré-colombiana da América do Sul, parece ser mais antigo
do que se imaginava. Possivelmente esse personagem mítico era anterior ao
surgimento do cristianismo no velho mundo. Porém, a similaridade de sua
pregação com o cristianismo e a proximidade fonética de Sumé e Tomé ajudou na
disseminação de que o santo esteve por essas paragens, viajando pelo
continente, “abrindo” trilhas e rotas na floresta como o Peabiru. Próximo a
essa rota existem petróglifos (inscrições em pedra), formando um corredor de
inscrições rupestres, em estilo “boliviano” por onde se acredita que teria
passado Pay Sumé.
A existência de minas
pré-colombianas em seu itinerário, de vestígios da cultura megalítica do período
formativo, está orientada astronomicamente, e as “pegadas” gravadas na rocha,
atribuídas pelos indígenas à figura mitológica do Pay Sumé, constituiriam, até
hoje, parte dessas estradas pré-colombianas.
Geoglifos AC
Geoglifos AC
Concepção artística da Cidade Fortificada de Kuhikugu - MT
Concepção artística de como seria um geoglio na Bolívia (llanos de mojo) há 500 anos.
As recentes
descobertas dos geoglifos amazônicos (nas fronteiras de Brasil, Bolívia e
Peru), as ruínas de cidadelas e fortificações pré-incas como Miraflores e Las
Piedras (Bolívia), a civilização hidráulica de Llanos de Mojos (Bolívia), os
muros de pedra de origem pré-colonial desconhecida da Serra da Muralha
(Fortaleza do rio Madeira em Rondônia) e Cidade Labirinto da Baia Redonda (rio
Guaporé em Rondônia), os restos da antiga cidade fortificada de Kuhikugu no parque nacional do Xingu, entre outros,
são testemunhos dessa integração cultural.
Cidadela pré-inca de Miraflores - Bolívia
Serra da Muralha (Rondônia)
Cidade Labirinto da Baia Redonda (Rondônia)
O papel do Peabiru
como rota de comunicação intercultural entre o Atlântico e o Pacífico relaciona-se
com o da lenda de Pay Sumé e as migrações Guarani em busca da “terra sem mal”,
sendo também parte dessa grande integração, exigindo necessariamente um
aprofundamento de como se deu esse processo entre os povos indígenas, o que
está obrigando os historiadores a repensar o passado sul-americano antes dos
europeus.
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